A liberdade sempre foi algo muito importante pra mim. Liberdade
de poder colocar a mochila nas costas e ir pra qualquer lugar do globo; de
escolher qualquer oportunidade que o destino me apresentasse; de usar o meu
tempo da forma que eu quisesse; de ser quem ou o que eu bem entendesse. Mas
será que isso é ser livre?
As
pessoas (e eu me incluo nessa) costumam dar mais valor para a liberdade
expressa em grandes atitudes, em rebeldias, aventuras, movimentos externos, do
que aquelas liberdades comezinhas do cotidiano. Como se uma viagem de volta ao
mundo fosse uma prova de liberdade maior do que a de escolher comer ou não um
chocolate. É como se seguir os próprios impulsos fosse a liberdade suprema,
aquilo que todos entendem por “ser livre”.
Em
outras palavras: achamos que quem tiver mais momentos de suposto prazer,
relaxamento e êxtase certamente é a pessoa mais livre.
Mas,
analisando melhor, talvez essa parte, a de seguir os próprios impulsos, seja
justamente o que nos faz viver numa prisão permanente, bem longe da tão
almejada liberdade.
Pense
bem, nós somos reféns de qualquer vontade que pipocar na nossa cabeça. Nós
pensamos que somos livres obedecendo ao menor impulso que vier, sem nem
questionar de onde vem, o que ele está apontando e quais as consequências de
seguir esse desejo. Tal qual uma pessoa pega pela torrente de um rio gritar que
é livre, que escolheu estar na correnteza e que pode sair dela quando quiser.
Exemplificando:
a gente foi xingado durante o jogo de futebol e surge raiva, uma vontade enorme
de bater em quem nos ofendeu. De repente a raiva somos nós, personificamos a
raiva rangendo e cerrando os dentes, contraindo os músculos, encurtando a
respiração e “sangue nos olhos”. Daí até o embate não custa nada. Em pouco
tempo estamos totalmente entregues a essa emoção que surgiu sem que a gente a
questionasse ou analisasse.
Casos extremos, como as pessoas que sofrem de TOC, podem nos
ajudar a visualizar esse processo de forma bem explicita. A pessoa
diagnosticada com TOC não consegue evitar a compulsão — ou a vontade — de
repetir atividades ou rituais para neutralizar uma obsessão. É como ter
obsessão por limpeza e lavar as mãos repetidamente para tentar anular a fixação.
E nós
todos somos assim também, iguaizinhos, em diferentes graus de fixação e
compulsão. Não conseguimos nem ver onde começa a vontade e onde termina a
liberdade de escolher. Se a pessoa se diz livre, mas não consegue viver sem
café, será que ela é livre mesmo? E se você ainda não está convencido, é só
pensar numa coceira: você tem liberdade de não se coçar imediatamente depois
que sentiu a vontade? Mesmo sabendo que isso pode ser algo ruim?
Enquanto não percebermos o quanto estamos presos às nossas
vontades, gostos, escolhas, desejos, opiniões, ideias, joguinhos e
fixações, vamos continuar levando a prisão dentro da cabeça onde quer que a
gente vá, mesmo que a gente viaje, se aventure e diga que é livre.
Casado, pai, trabalhando em empresa, morando no mesmo lugar e cada vez
mais livre… É possível?
A
escola, o trabalho, os relacionamentos, a paternidade, são sempre apontados
como exemplos de prisão e sufocamento. Mas, talvez, pudéssemos olhar para eles
como um espaço para cultivar a liberdade que existe além dos impulsos
descontrolados. Além da histeria.
Imagine
poder oferecer um relacionamento com liberdade — sem carência, sem apego, sem
ciúmes — para sua parceira ou companheiro. Ajudar a pessoa a ser feliz, a
atingir seu potencial humano, aprender e ensinar sem hierarquias, dar risadas
dos tropeços sem diminuir ou menosprezar, querer estar próximo sem ficar
controlando, mas saber que tudo isso pode desmoronar sem aviso prévio. Soa como
sinônimo de liberdade, não? Tenho tentado cultivar isso, embora nem sempre
consiga.
Minha
recente paternidade também tem se mostrado como uma belíssima oportunidade de
praticar outros olhares. Em meio ao caos de fraldas e choros, a liberdade está
presente nas emoções que escolho cultivar. Posso escolher a alegria em vez do
cansaço, a paciência em vez da raiva, a generosidade em vez da carência e o bom
humor em vez da irritação. Parece pequeno, mas isso afeta tudo e todos à nossa
volta.
Esses exemplos me parecem uma liberdade muito mais ampla e
benéfica do que aquela, hedonista, que comentei no começo do texto. Se
conseguirmos treinar essas qualidades, nas atividades mais rotineiras, podemos
aplicá-las em várias outras frentes da vida, melhorando nossas relações e
fazendo com que sejamos livres naturalmente, sem esforço.
Mais relatos
Eu
gostaria que este papo não se esgotasse aqui, porque sei que ainda há muito a
explorar nesse tema. Por isso, usem a caixa de comentários e digam: quais as
suas visões do que é ser livre? Em quais outras situações de aparente
aprisionamento podemos enxergar e cultivar a liberdade?
Com
adaptação para o proradicalskate.
Por: redação
Fonte: O Lugar
Foto: divulgação
Proradicalskate