No dia 26 de dezembro de 2010, Stephanie Silmore estava imbatível. A australiana de 22 anos, na ocasião, conhecida como Happy Gilmore acabava de ser coroada pela quarta vez campeã mundial da ASP. Ela estava prestes a anunciar sua mudança de patrocinador, para virar colega de equipe do 10 vezes campeão mundial Kelly Slater. Stephanie assinava o contrato mais bem pago da história do surf feminino: 5 milhões de dólares por cinco anos. Sua confiança e felicidade estavam de vento em popa. Mas no dia 27 de dezembro sua vida mudou. Naquele dia, Gilmore foi atacada do lado de fora de sua casa em Coolangatta, na Gold Coast Australiana.
Pela primeira vez, Gilmore fala sobre o ataque, sobre sua volta ao surf e como foi ter sua invencibilidade testada:
“ Alguns dias antes do ataque, alguns amigos me falaram, ‘com tudo indo tão bem, você deveria pensar em se mudar para um apartamento mais seguro. A gente nunca sabe o que nos espera na esquina.’ E eu pensei, ‘Oh, ok, talvez’. Naquela noite era para eu ter ido ao cinema com um amigo, mas rolou uma mudança de planos e eu acabei voltando para casa. Eu realmente acredito que as coisas acontecem por alguma razão. Eu tenho que andar por um estacionamento público para chegar ao meu apartamento e eu notei um homem andando que eu nunca tinha visto por ali. Não prestei muita atenção, mas a segunda vez que olhei cruzamos olhares. Eu senti que algo não estava bem com aquele cara. Quando eu cheguei nas escadas que levam ao meu apartamento, eu me virei e vi ele correndo em minha direção com uma barra de ferro na mão, com a qual bateu duas vezes. A primeira pancada foi bem na cabeça. Eu vi o sangue escorrer por todos os lados. Coloquei o meu pulso esquerdo para me proteger e na segunda vez ele atingiu meu braço e rompeu os ligamentos do pulso. Meu corpo entrou em modo de sobrevivência e, no momento, não senti dor.
Minha tia mora ao lado, e ela e alguns parentes tinham acabado de chegar em casa do jantar. Eles me ouviram gritar, correram para baixo para persegui-lo. Ele fugiu em uma bicicleta de BMX. No momento em que cheguei ao hospital, metade de Coolangata estava procurando o cara. Eu tenho a sorte de ter a melhor equipe para olhar por mim. Ele deve ser louco porque voltou para a área e acabaram o capturando. A polícia o tirou de lá. Foi negado à ele, por três vezes, a liberação através do pagamento de fiança. Mas o caso não foi à julgamento ainda. Saber que ele está preso ajuda.
No hospital, eu lembro de estar absolutamente horrorizada de pensar em ir para casa. Eu não queria ir para lá nunca mais. Aqueles eram meus primeiros pensamentos – fui de um sentimento tão independente e confortável para, 'Oh meu deus. Eu não quero mais voltar ao meu apartamento. Como você vai voltar para casa? Como você vai encarar isso?' Eu me arrepio toda vez que penso sobre isso ... desculpa. Choro toda vez que falo sobre isso. Nunca fui de me emocionar, mesmo em filmes. Mas isso trouxe minha emoção à tona. Sempre fui uma pessoa muito positiva e isso tem sido um verdadeiro teste. Os policiais disseram que a melhor coisa que posso fazer é não deixá-lo tomar minha liberdade. Então fui para casa no dia seguinte. Dormi por três semanas seguidas.
A parte mais difícil foi a cobertura jornalística. Eles falavam como 'Campeã mundial abusada! Steph Gilmore abusada em uma invasão domiciliar! 'Eles disseram um monte de coisas que não necessariamente eram verdade. Haviam pessoas do lado de fora do meu apartamento, mostrando o local nos noticiários. 'Este é o lugar onde tudo aconteceu. Este é o lugar onde ela vive. Esta é a rua que ela vive. "Eu pensava, 'Uau. Se você quiser enviar mais malucos para o meu caminho, esta é a maneira de fazê-lo.' Acho que nunca saberei se ele sabia quem eu era. Isso é algo que eu não acho que nem mesmo a polícia vai tirar dele. Eu acho que é mais fácil pensar que era aleatório. Mas, ao mesmo tempo, isso também acaba com sua confiança e fé em alguém desconhecido na rua. Durante três semanas, o telefone não parou de tocar, não paravam de chegar e-mails. A maioria deles desejando coisas boas. Fiquei muito surpresa. O apoio foi inacreditável. Isso ajudou a me curar
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| " Eu reproduzi a cena em minha mente várias e várias vezes, todos os pequenos detalhes. " |
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--Steph Gilmore
Eu reproduzi a cena em minha mente várias e várias vezes, todos os pequenos detalhes. Eu me senti tão vulnerável. Então, eu pensava, 'Não. Eu deveria tê-lo perseguido e batido na cabeça dele. Por que eu não fui mais agressiva? " Mas o que aconteceu, aconteceu. Eu não posso mudar a história. É claro que às vezes fico com raiva. Por que aconteceu comigo? Mas poderia ter acontecido a qualquer um. Tenho família que anda por lá e as crianças e senhoras idosas que caminham nessa área. Elas não tem a estrutura que eu tenho, teria sido muito pior. Minha tia mora no edifício. Poderia ter sido ela. Se ele fizesse isso com uma senhora idosa, ela teria morrido.
Eu nunca culparia minhas perdas em competição com isso, mas em um certo ponto, eu tinha de dizer a mim mesmo: 'Não há problema em sentir raiva ou não se sentir feliz agora. Eu tive que parar e respirar por um segundo. Percebi que poderia ficar triste por alguns momentos. Ao mesmo tempo, houve inundações na região norte [da Austrália] e incêndios no sul, o que colocou as coisas em perspectiva. Eu ainda tenho minha casa, amigos e familiares. Eu gosto de focar sobre os aspectos positivos, o que sido a minha forma de lidar com isso também.
Quando fico com um grupo de pessoas, fico bem. Eu me sinto mais confortável quando estou viajando ou fora do país, o que é um pensamento louco. Eu só me sinto mais nervosa. Caminhando para jantar, se eu vejo um homem parado em um canto escuro, ele é apenas um homem em um canto escuro. Mas a primeira coisa que você pensa é que alguém vai pular na sua frente. O coração acelera mais que o normal. Mas você tem que voltar a sua rotina diária e começar a aprender que as pessoas não vão fazer isso com você.
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| " Minha maior preocupação era que eu não ia mais ser capaz de sair para um surf de manhã cedo, porque eu ficaria com muito medo de ir sozinha. " |
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--Steph Gilmore
Nem estava pensando em um quinto título mundial no dia 26 de dezembro. Ainda estava absorvendo o tetracampeonato e o Havaí. Estava animada de estar em casa e também com a possível mudança para uma nova empresa. Foi uma semana explosiva. Depois disso, pensava: 'O que eu faço? Posso comemorar? Fico aos prantos por aí?'. Minha maior preocupação era que não ia mais ser capaz de sair para um surf de manhã cedo, porque ficaria com muito medo de ir sozinha.
Quando os médicos disseram que eu não poderia surfar por sete semanas, não sabia o que pensar. Nunca tinha sido forçada a ficar sem surfar por tanto tempo. Nunca sofri nenhuma lesão grave. O surf é uma grande cura também e eu não pude ter isso. O Roxy Pro [Fevereiro de 2011] foi difícil, porque estava tentando me focar na empolgação do ano anterior. Minha confiança no Havaí foi um dos pontos mais altos da minha carreira e eu estava tentando encontrar isso, mas simplesmente não conseguia.
Eu estava mais hesitante e tímida no surf. Acho que nunca me senti assim. Mas sou um ser humano. O quê? Não queria ser um ser humano. Queria ser uma ‘super-herói’. Estava chateada e com dor. Fiquei tentando não pensar em meu pulso e voltar à estaca zero. Mas o que não me dei conta foi que não estava pronta para isso. Tinha que ter calma e trabalhar na recuperação do meu pulso. Eu não podia ser tão agressiva e vir lá de trás do pico em Snapper porque não tinha forças na remada para entrar na onda rapidamente como as outras meninas. Estava lutando para encontrar minha autoconfiança. Mas demorou pelos quatro primeiros eventos.
Agora estou aprendendo a surfar uma bateria de novo. Não tenho mais que pensar sobre meu pulso e posso dropar qualquer onda. Perdi o ritmo de competição e tenho que encontra-lo novamente. Havia definitivamente um tratamento diferente da multidão. Quando saia de uma bateria, mesmo se perdesse, estavam me saudando, torcendo. Acho que todo mundo entendeu o que aconteceu.
Claro, eu sempre quis ganhar o título mundial novamente. Depois dos dois primeiros eventos, percebi que ia precisar mais do que apenas talento natural e intuição para ganhar este ano. Em seguida, ficou cada vez mais difícil. Tinha que vencer no Brasil para me manter na corrida pelo título mundial.
Sai da minha última bateria e havia tantas emoções. Estava irritada, triste e frustrada. Essa foi uma das derrotas mais difíceis para mim. Chorei um pouco. Senti-me bem de chorar e deixar tudo sair. Se você perde uma bateria, você tem que fazer uma entrevista dizendo porque você perdeu. E assim, eu odeio estar sentada aqui fazendo isso, mas ao mesmo tempo, é muito terapêutico. É ótimo falar sobre isso. Se alguém pode ler um artigo como este e sair com algum tipo de lição de vida, então é porque estou fazendo direito minha parte.
As pessoas superam lesões. E sim, minha lesão terá mais cicatrizes emocionais à serem superadas, mas o doce nunca é tão doce sem algum amargo. Então eu imagino que qualquer vitória daqui em diante será muito mais gratificante. Acho que tenho uma melhor compreensão de quem eu sou como pessoa e onde quero ir e, ainda, por quem quero estar cercada. O que me motiva são as coisas que valorizo. As coisas simples. Eu fico tão consumida e perdida em minhas viagens que às vezes não aprecio tudo que estou recebendo ou que está acontecendo para mim. Isso, me fez parar e ter tempo para fazer isso."
por Alyssa Roenigk