De rímel, batom e tatuagem,
paulistana de 20 anos lidera o ranking mundial na modalidade street
Por
baixo do boné preto de aba reta, vê-se o cabelo loiro e escovado de Leticia
Bufoni. Líder do ranking mundial na modalidade street há três anos, a “musa do
skate” acaba de voltar de Foz do Iguaçu, onde venceu uma etapa do X Games, a
Olimpíada dos esportes radicais. A atleta, de rímel e batom, diz que se esforça
para ser vaidosa: “Quero mudar a cara do skate feminino”.Leticia
começou a andar de skate com 10 anos de idade, nas ruas da Vila Matilde, zona
leste de São Paulo. “É sempre difícil ver alguma menina nas pistas de skate e
eu sofri muito preconceito. As vizinhas ficavam o dia todo me chamando de
‘Maria-homem’”. Para o pai, dono de uma fábrica de produtos médicos, foi
difícil aceitar o novo hobby de Leticia, que fugia do castigo para andar de
skate. Numa noite, ele chegou a cortar o skate da filha na metade. No outro dia
de manhã, ela já estava montando outro.
Leticia
andava com um grupo de mais de dez meninos do bairro, do qual foi a única a
levar o esporte adiante. “Quando eu andava melhor que eles, a gente brigava,
discutia, saía na mão. Sempre fui aceita no grupo, mas de vez em quando eles me
mandavam brincar de barbie”.Filha do meio, é a única da família a praticar esporte. Tem duas
irmãs, uma formada em Direito e outra em Química. O irmão mais novo ainda está
na escola e é “do tipo nerd, gosta de computador”. “Para eles, o estudo é
a coisa mais importante. Comigo foi completamente diferente”, diz Leticia, que
abandonou o segundo colegial para seguir a carreira de atleta. “Eu estava
prestes a ser expulsa da escola, de tanta falta que eu tinha. Não dava para
estudar e viajar. Se eu não viajasse com meus patrocinadores, perdia o
patrocínio. Se eu não fosse aos campeonatos, saía do mundo do skate. Tive que
fazer uma escolha e faculdade eu posso fazer com qualquer idade, né?”.Leticia venceu logo o primeiro campeonato de sua vida e começou
a conquistar o apoio dos pais. “Eu tinha uns 11 anos e era um campeonato
estadual da Nike. Tinham várias famílias lá e meu pai viu que não era esporte
de ‘nóia’. Foi aí que ele começou a me levar em todos os campeonatos”. Aos 12 anos, foi vista em um campeonato e conseguiu um
patrocínio, da marca de tênis Plasma. Com 14, competiu o seu primeiro X Games,
em Los Angeles. “Competi com skatistas de 20 e poucos, 30 anos”. Hoje com
20, Letícia ainda costuma ser a mais nova nas competições. Depois do primeiro X Games, decidiu que seguiria a carreira de
atleta e se mudou para a Califórnia, onde passou a viver com skatistas
brasileiras mais velhas, como Lisa Araújo. “Já tinha ganhado tudo de mais
importante no Brasil. Por isso que quis ir para lá. Conheci elas num turnê de
skate e aí começaram a mandar fotos e vídeos de mim para os Estados Unidos,
dizendo que eu tinha de participar do X Games. Elas que cuidavam de mim, mas
desde os 12 eu ganho meu salário e sei me virar. Eu não tava nem aí de ir morar
em outro país, não saber falar a língua. Era uma criança e só pensava em andar
de skate”.Se
tivesse nascido na praia, teria sido surfista, diz ela. Mas antes do skate,
ainda houve o futebol. Leticia jogou bola até o dia em que não conseguiu mais
conciliar isso ao skate. Com 13 anos, ela chegou a ser convidada para fazer um
teste no Juventus, para o qual nem apareceu. “Se eu passasse, teria que treinar
todos os dias, das 13h às 18h. Teria que desistir do skate, então não fui”.
Graças
à bolsa-atleta internacional e aos diversos patrocínios, Leticia vive do skate
e leva a vida que sempre sonhou. A atleta aponta para praticamente cada peça no
corpo, enquanto enumera os seus patrocinadores: roupa da Volcom, tênis da
Osiris, relógio da Nixon, óculos da Oakley e boné da TNT.
As rodinhas do skate da Bones Wheels, o shape da Paradox Grip e o eixo,
da Crail Trucks . Além disso, recebe apoio da Keep a Breast, fundação de
prevenção ao câncer de mama. O acessório que tornou-se marca registrada de
Leticia, no entanto, não é nenhum desses. A skatista sempre compete de bandana,
para prender os cabelos longos. Começaram a chamá-la de Axl Rose e hoje Leticia
tem o rosto do cantor da Guns N’Roses tatuado na batata da perna. Além dessa
tatuagem, tem outras sete espalhadas pelo corpo: “Por mim, eu tatuava os
braços todinhos”. Leticia ri e mostra uma que fez do lado de dentro da boca, no
lábio inferior, escrito “F....-se”.
Em 2010, depois de ficar com a medalha de prata no X Games XVI,
a paulistana conquistou o primeiro lugar no Maloof Money Cup, um dos
campeonatos de skate mais importantes do mundo. Com apenas 17 anos na época,
Leticia ganhou U$25 mil (aproximadamente R$ 50 mil) pela vitória, uma das
maiores premiações para uma competição de skate feminina.
“É o maior nome do skate feminino no Brasil, com toda certeza”,
diz Bob Burnquist, que também conseguiu medalha de ouro na etapa do X Games em
Foz do Iguaçu. “Ela anda muito. Se fosse fazer uma sessão de street com a
Leticia, ela andaria muito mais do que eu”. O skatista brasileiro não poupa
elogios: “O street é um meio muito crítico. Para conseguir respeito, você tem
que ter atitude, personalidade. Ela mostra uma fluidez, tem um estilo bonito de
ser ver, artístico. Ela tem um estilo agressivo, mas feminino também”.
Para Leticia, o ouro no X Games no Brasil foi uma das conquistas
mais importantes de sua carreira. Voltando de uma lesão no tornozelo, estava
sem andar de skate há um mês. Recebeu alta do médico e voltou a praticar dois
dias antes da competição, ainda sentindo dor. Não completamente recuperada,
viajou com o fisioterapeuta e enfaixou o pé para tentar deixá-lo mais firme
durante a competição. “Na hora não senti dor nenhuma, nunca fiquei tão nervosa
em toda a minha vida. Foi a primeira vez que eu me machuquei, estava com medo
de errar alguma manobra e virar o pé. Ainda por cima foi aqui no Brasil, com toda
aquela história de favoritismo. Costumo me controlar ao máximo, mas dessa vez
fiquei com dor de barriga e perna bamba na hora de competir. Mas deu tudo certo
e, depois de bater na trave tantas vezes, finalmente consegui ficar em
primeiro”.
Confira mais fotos!
Por: Manuela Azenha
Fonte: foxsports
Foto: divulgação
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