Mesmo com todo ódio e preconceito que a pixação desperta na sociedade, o movimento tem conquistado reconhecimento artístico e existencial mundo afora. Quem imaginou um dia que pixador seria convidado para pintar na fachada de um museu em Paris ou que o movimento teria cinco espaços reservados na Bienal de Artes mais importante do continente americano?
Ninguém pensava que o uniforme da seleção brasileira seria decorado com letras de pixo. Mas, doa a quem doer, é verdade. Mais incrível ainda é ver que reconhecimento está justamente aparecendo pelo que somos na essência: transgressivos e marginais.
Nesse assunto, a arte não pode ficar de fundo |
Não se considera arte só o que agrada ou que é autorizado. Nesse último caso, é até o oposto: se sua arte não precisa de aval, ela se torna mais pura e libertária. Infelizmente, em um país onde os curadores de arte são políticos, juízes e delegados, o que é puro e libertário passa a ser considerado crime (se sua expressão tem o aval deles para acontecer, ela deixa de ser crime e se torna “Arte” em um passe de mágica).
O conceito de arte é extremamente subjetivo e varia de acordo com a cultura a ser analisada, o período histórico em recorte e até mesmo o indivíduo em questão. Nada que envolve esse tópico é simples.
Além de confusa e ineficaz, essa nova lei que supostamente diferencia o que é arte e o que é vandalismo se contradiz. Se graffiti autorizado é arte e ilegal é crime, então a técnica e talento do artista – o que realmente legitima seu trabalho – nesse caso não importam.
E se eu, pixador, resolver pixar a fachada da minha própria casa, cometerei um crime? Será mesmo que é melhor criminalizar uma expressão que na realidade não agride nem destrói nada?
Chega a ser paradoxal: apanhando no Brasil e enfeitando a França |
“É vandalismo?”
O pixo não inutiliza parede nem muro. Ambos continuam aptos a cumprir sua função. Mas seu significado – esse sim – muda.
“Mas é feio!”
Esta discussão sobre o “belo” na arte foi abandonada faz muito, muito tempo. Garranchos? Bem, dizia-se que o samba era “macumba”.
“É feito por quadrilhas”
Sugiro uma pesquisa na Internet para ver as dezenas de trabalhos acadêmicos que já foram escritos nas universidades brasileiras sobre a pixação. São antropólogos, artistas plásticos, filósofos e estudiosos… defendendo gratuitamente “quadrilhas de bandidos”?
“E quanto à degradação do espaço público?”
Não há restrição alguma a prédios que bloqueiam o Sol, a propagandas exageradamente gigantescas, a arquitetura e urbanismos ruins, a obras que prejudica a circulação nos espaços públicos ou ainda ao lixo que abunda nas ruas.
O pixo não entope esgoto, não tapa o Sol, raramente é maior que a propaganda e nem de longe é tão opressivo quanto o miserável “urbanismo” brasileiro. Ora, prendam então os engenheiros, arquitetos, mal informados que jogam lixo na rua e fechem todas as agências de marketing.
Para aqueles de espírito livre, que fazem sua expressão de coração (seja pixando ou grafitando),essa nova lei não vai mudar absolutamente nada. Na realidade, ela vai servir mesmo para mostrar quem realmente são os legítimos que estão na rua e, dessa forma, os charlatões que posam de legítimos graffiteiros ou pixadores não vão ter como enganar o policial com aquele papo que é artista e não um vândalo. Agora quem decide tudo é o curador policial. E se não tiver autorização, meu truta, vai todo mundo pra delega e já era.
Imagina só que maravilha as chamadas estrelas do graffiti brasileiro tomando canseira e recebendo o mesmo tratamento VIP nos corredores imundos da vida ao qual nós, pichadores, estamos acostumados . Eu tô é pagando pra ver.
Nota do editor: Mantivemos o verbo “pichar” escrito de forma errônea (pixar). Para os pixadores (também com “x”), a pixação em São Paulo é escrita dessa forma e, se tratando de um relato feito por um dos pixadores da cidade, não houve a necessidade de correção.
Fonte: papodehomem
cripta djan ivson Pixador e documentarista. Paulista de 27 anos, mora em Osasco, Zona Oeste de SP.
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