domingo, 5 de agosto de 2012

Heróis olímpicos

O Comitê olímpico Brasileiro tem a expectativa de faturar, ao final dos jogos de londres, um total de 15 medalhas.

É a mesma quantidade que levamos nas últimas competições, em Pequim. O Brasil deixou os jogos há quatro anos com um 23o lugar no ranking. Ainda é pouco para uma nação de nosso tamanho, dizem muitos. Para tornar-se uma potência esportiva e brilhar ao sediar o evento, em 2016, no Rio, seria preciso incentivar a prática esportiva desde a infância, injetar mais dinheiro e garantir público para as competições de diferentes modalidades. A tarefa fica para os dirigentes e políticos. Os 258 atletas que, vestindo a camisa verde e amarela, devem assistir à abertura das Olimpíadas, no dia 27, em Londres, já fizeram boa parte do que podiam. Treinaram incansavelmente, prepararam-se mentalmente, buscaram se superar. Vão passar pela maior provação de suas carreiras. A seguir, eles contam um pouco desse percurso feito de sangue, suor, lágrimas – e um pouco de Velho Barreiro.


Onde buscar espaço para melhorar

Lucas Rodrigues Moura da Silva (meia-atacante da seleção brasileira de futebol): Raça e vontade todo jogador precisa ter. No caso das Olimpíadas, o fundamental é o foco. A gente deve se conscientizar do que está representando.
Camila Brait (líbero da seleção brasileira de vôlei feminino): A combinação de bloqueio com defesa é o ponto forte do Brasil. O (treinador) Zé Roberto pega bastante no pé quando acha que algo tem de ser melhorado, principalmente das meninas que ele sabe que pode cobrar mais. Acho que ele dorme falando “bloqueio e defesa”.
Leandro Guilheiro (meio-médio da seleção brasileira de judô): Qual é o objetivo do meu treino hoje? Fazer um movimento para desbancar um determinado oponente. Cara, eu tenho de fazer esse movimento. Então, vou estipulando metas, o tempo vai passando e vou me sentindo mais forte, mais capaz. Meu treino sempre tem um porquê, um objetivo, algo que tenho de criar, evoluir. Por ser mais eficaz, é um pouco mais curto, porém mais intenso e proveitoso. Hoje, treino muito menos e melhor do que treinava antigamente.

Tudo começa dentro da cabeça

Emanuel Fernando Scheffer Rego (seleção brasileira de vôlei de praia): Muitas coisas acontecem durante uma Olimpíada. Se a pessoa não estiver preparada emocionalmente, até a técnica e a tática podem desandar.
Leandro: De tudo o que você faz na vida, a diferença é a cabeça. Em geral, a gente se limita muito. Seja por autossabotagem, por medo ou outro problema qualquer. Em jogos olímpicos, você vê caras que tecnicamente talvez sejam mais limitados, mas estão ali, batendo sempre. O que eles têm é que colocam 100% na hora de competir.
Felipe França (seleção brasileira de natação): Quando fui recordista mundial dos 50 metros peito, fiz um trabalho, principalmente mental, para isso. Porque o corpo a gente consegue condicionar. A questão é ter um preparo psicológico. Primeiro tenho de vencer a minha mente. Se eu conseguir vencê-la, posso trazer o ouro.

Ao correr os 42 quilômetros de uma maratona, um atleta perde até 2 litros de água por hora e chega a queimar 4 quilos 

O maior adversário é seu próprio corpo
Felipe: Perdi 8 quilos. Eu pesava 106. Agora estou com 98. É como colocar um motor de Ferrari em um Fusca. Agora vai andar muito melhor e a explosão é muito mais eficiente.Leandro: Os grandes oponentes que tive na vida foram as minhas lesões. De 2004 a 2008, fiz seis cirurgias (nos dois ombros, no joelho direito, na coluna, numa mão e no quadril). A maioria foi decorrência de esforço repetitivo. Mas um esforço repetitivo irresponsável da minha parte, porque eu sentia dor e continuava treinando. Hoje, se estou cansado de uma forma perigosa, paro. Se tenho dor de uma batida que não vai dar em nada, OK. Isso você só adquire depois de 20 anos treinando, competindo.
Por que eles são atletas olímpicos e você não

Murilo Endres (ponta da seleção brasileira de vôlei masculino): Acaba o treino, a gente tá morto. Não tem como sair, fazer nada. Tá todo mundo sentado, com a perna para o alto. No vôlei, o treino exige que você dê 100%, principalmente na seleção, senão o cara que está ao seu lado vai dar 100% e vai crescer, vai jogar mais que você.
Leandro: Minha vida foi totalmente atípica. Quando eu era mais novo, já tinha essa coisa da disciplina, do foco. “Não vou sair porque tenho treino”; “Não dá para viajar com a galera porque tem competição”. Eu era o moleque que fazia judô no colégio. Como já tinha resultados e saía no jornal, não pegavam muito no meu pé. Mas eu tinha um limite. Era uma coisa muito clara na minha cabeça e clara para todo mundo também.Lucas: O futebol é um meio muito disputado – poucos sobrevivem. Se ontem você fez um jogo maravilhoso, é rei, se tem um dia ruim, ninguém mais pensa em você. O desafio e a concorrência me motivam. Gosto de ser cobrado em momentos decisivos.
Luiza Almeida (seleção brasileira de hipismo): Treino todos os dias, menos segunda-feira, porque a hípica fecha. Quando vou para o pré-olímpico, monto o dia inteiro. São quatro cavalos, duas vezes por dia. Cada cavalo é uma hora, oito horas por dia.
Paulo Henrique Ganso (meia da seleção brasileira de futebol): É muito fácil para um jogador extrapolar, cair na balada. A tentação é muito grande. Seja religioso ou não, você precisa ficar de cabeça tranquila. É muito difícil conseguir chegar ao topo, mas se manter é ainda mais complicado. Graças a Deus, não bebo.
Camila: Treino duas vezes por dia. De manhã começo às 9 h e vou até o meio-dia, e à tarde começo às 5h30 e não paro até as 20 h.
Por que, meu Deus, passar por tudo isso? 

Ganso: Nenhuma seleção de futebol ter vencido uma Olimpíada dá para a gente motivação a mais. A gente sabe a pressão que vai ser, mas quer lutar, conquistar, fazer história. Quando eu parar de jogar é disso que vou lembrar: do que conquistei, e meu nome estará lá, gravado.

Nem ouro, nem prata, nem bronze:o vil metal
Luiza: Eu não tenho patrocínio, tenho “paitrocínio”. Vou com a marca da fazenda, do haras do meu pai (Manuel Tavares de Almeida Filho, dono da cachaça Velho Barreiro e do banco Luso Brasileiro). O preço do cavalo varia muito. Depende da idade, da raça, do histórico, de quem está comprando. Um cavalo campeão olímpico custou 14 milhões de euros. O Samba, um dos animais com que disputo, não está à venda. Mas um animal como ele custaria uns 500 mil dólares.
Ganso: Sou bem tranquilo quanto à questão econômica. Se você estiver vencendo e conquistando títulos, sempre vão aparecer oportunidades. É só escolher o melhor para sua carreira e seu futuro em termos de patrocínios e mudanças de clube. Atualmente, tenho quatro patrocinadores. Fico com 100% desses contratos. Só não faria propaganda de bebida.
Murilo: A gente ganha muito bem, mas um jogador de vôlei não chega nem perto do que fatura um de futebol. No vôlei, deve ter um ou dois que tiram 100 mil reais. Eu tenho dinheiro em fundos, aplicação no banco. Tem uma pessoa que me orienta. Não posso pensar que vou ganhar bem a vida toda. Minha carreira se encerra aos 37, 38 anos, e, dos 50 mil reais que eu ganho hoje, vai para zero.
Ricardo Winicki, o Bimba (seleção brasileira de prancha a vela – wind surfe): É difícil competir na prancha a vela com dinheiro próprio sendo de uma classe mais baixa. Cada vela custa 15 mil reais, e você não consegue ser campeão com uma vela só, precisa de quatro ou cinco. Fora os outros custos. Tenho projetos sociais, mas fica difícil. Em um clube do Rio de Janeiro, eles permitem que os meninos treinem, mas não querem que eles circulem na varanda do clube, pois, segundo eles, “não têm classe para circular”. Isso porque estão comigo, imagina como seria se estivessem sozinhos. Além de ser um esporte de elite, tem uns esnobes que atrapalham mais ainda.
No salto, um jogador de vôlei de 1,98 metro e 90 quilos fica com os pés a 1,10 metro do chão. Na volta, o joelho recebe um impacto de 900 quilos

                                                             Horas decisivas
Leandro: Jogos Olímpicos são um troço muito simples, cara. Você vai lá, vão ser cinco lutas e, se você ganha cinco lutas, você é campeão. É batedeira. Entrar o primeiro adversário, segundo adversário, terceiro, quarto e quinto. Não tem “se”, não tem passado, não tem ouro. É vai…

Felipe: Antes de entrar na água, fico com um fone ouvindo a bíblia. Minha passagem preferida é Gênesis, capítulo 37, que fala sobre José. Também gosto do salmo 91, é um som que me agrada. Só escuto com o Cid Moreira.

Camila: o Zé Roberto (técnico) tem um método: ele faz uma tabela em que anota quando cada uma vai estar na TPM. Toda semana ele pergunta. Porque tem dia que ele fala mais forte com uma e ela já está chorando, outra chega de cara fechada… Normal chorar, ainda mais na TPM.
Ganso: Já botei o nome da minha futura filha, Maria Victória, na chuteira. Se eu ainda namoro a mãe dela? É melhor não comentar isso aí.
Quando eu vim para esse mundo 
Emanuel: Na quadra, jogava de central, mas tinha só 1,90 metro, pouco para a posição. Era muito rápido, mas a altura já fazia diferença. Nessa época, surgiu o circuito brasileiro de vôlei de praia. Falei: pô, é mais criativo, você toca mais a bola, só dois jogadores… Quis estar lá desde o começo.
Ganso: Senti realmente que seria jogador de futebol quando vim para o Santos. Só no Santos ganhei o apelido de Ganso. No Pará era mais diversão. Cheguei aqui sem empresário, fiz teste e fiquei treinando três meses sem ganhar nada. Não davam nem comida ou quarto para dormir. Tinha de estar muito a fim.
A derrota 
Murilo: Cara, dá aquele desânimo perder, a diferença entre uma medalha de ouro e uma de prata é muito grande. Valorizo para caramba a medalha de 2008, tenho muito orgulho de ter conquistado uma medalha de prata, mas infelizmente a lembrança que eu tenho da Olimpíada é a gente perdendo a final.

Vivendo e não aprendendo
Camila: Quero administrar a carreira para parar com 36 anos e não fazer mais nada. No máximo uma faculdade, veterinária ou fisioterapia.
Leandro: Tive de trancar a faculdade por causa do esporte. Fiz Direito durante dois anos e meio. Como não consigo terminar, leio bastante, pois só vou ter uma educação formal mantendo informalmente minha educação. Eu cresci vendo minha mãe ler, sabe? Cervantes, García Marquez… O conhecimento é um dos maiores bens que a gente tem. Ninguém rouba isso.
Murilo: Eu li Pai Rico, Pai Pobre, que, para mim, serviu tanto que não preciso ler nenhum outro livro. Quando parar de jogar, de repente vou querer ser empresário ou alguma coisa assim, se eu tiver uma ideia brilhante. Mas não tenho plano nenhum. Talvez vire o maior vagabundo da história.

O sonho é olímpico, mas os pés ficam no chão

Ganso: Na seleção brasileira que vai para as Olimpíadas não tem problema de ego, e os jogadores são conscientes.
Leandro: Tenho um oponente coreano contra quem lutei três vezes e ele venceu todas. Tecnicamente, me considero superior. Mas a escola coreana tem um treino muito sofrido. No tempo normal, tombo melhor, só que no desempate ele acaba ganhando de alguma forma. Acredito que ele está mais pronto para aquele momento de exaustão total em que você tem de continuar pensando e indo em frente.
Luiza: Vou falar a verdade. O Brasil é muito novo no adestramento, e a possibilidade de medalha é difícil. Eu não entro para perder. Lógico que vou dar o meu melhor com o cavalo. Mas com certeza em 2016 vai ser diferente.
Love me tender

Murilo: No ano passado, Jaque (Jaqueline Carvalho, mulher de Murilo e titular da seleção feminina de vôlei) engravidou e perdeu o bebê. Não vamos mais planejar. Para mim é muito fácil, eu não preciso parar de jogar. Para ela é uma decisão mais complexa. Namorar atleta ajuda e atrapalha. A gente passa muito tempo longe. Apesar de estarmos há 12, 13 anos juntos, mais da metade desse tempo ficamos longe um do outro, entre viagens de seleção, de clube. Eu só espero que na Olimpíada a Jaque esteja de bom humor!
Leandro: Você resolve uma luta de judô em 5 minutos. Aquilo tem data e hora para acontecer, naquele dia tudo se resolve. Na vida aqui fora não é bem assim, né? Principalmente em um relacionamento. Cada um tem seu tempo, seu temperamento. Minha namorada tem me ajudado muito a aprender, a amadurecer.
Só seremos heróis se tivermos heróis
Ganso: O Leo (atacante do Santos) tem 37 anos e o que ele corre é impressionante. Já falei para ele: “Quero chegar aos 37 assim”.
Leandro: Aurélio Miguel foi campeão em 1988 e, em 1992, Rogério Sampaio chegou lá. Comecei a treinar com Rogério aos 11, 12 anos. Ele tinha acabado de ganhar. Ver um campeão olímpico ali, no tatame, de carne e osso, me influenciou demais. A medalha deixou de ser utópica para mim.Murilo: Cheguei à seleção muito novo e tentava fazer o que o Giba fazia. Eu cresci vendo ele jogar, colecionava suas figurinhas! E ele viu meu esforço esses anos todos. Ele é meu ídolo e também sente prazer de ter passado isso para mim. Quando fui eleito o melhor jogador do mundo, em 2010, foi o primeiro a me abraçar. Sou muito grato por ele ter me ajudado.

Fonte: Revista ALFA 2012. Por Ricardo Zanirato
Foto: Fabio Sarraff. Moda: Kika Brandão
Proradicalskate

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